sábado, 14 de agosto de 2010

O silêncio do sopro e dos dedos


Antonio Luiz Pimentel

Rio Preto é uma cidade privilegiada pela virtuosidade de seus músicos e neste cenário artístico destaca-se o fabuloso Paulo Moura. O virtuoso da clarineta e do saxofone expiou recentemente e se foi com galhardia. No quarto do hospital, moribundo e com o pressentimento da morte, executa sua última música em tom de despedida. Paulo Moura partiu e deixou um legado inestimável de inesquecíveis exibições do seu talento de músico reconhecido mundialmente.

No cenário do reino encantado da música restou o silêncio do sopro e da embocadura, ambos qualidades que poucos adquirem ou as têm por seu natural talento de gênio.

Em Araraquara nasceu outro virtuoso da música, José Rastelli. Peregrinou na infância e adolescência com a família pelos campos da roça daquela região e de Ibitinga. Aos dezesseis anos veio para Rio Preto e aqui adquiriu a cidadania como se fosse de um nativo rio-pretense. Com o dom inato pela música, matriculou-se no Conservatório Musical Carlos Gomes, estudando por oito anos violino e viola, que é um instrumento parecido e assemelhado ao violino, um pouco maior no seu formato, recebendo ainda orientação e lição musical com o maestro Artur Ranzini.

Mas, a brilhante carreira aconteceu inicialmente na execução talentosa do violão, com o qual se destacou em vários recitais e nas gravações de seis LPs e três CDs. Gravou seu primeiro disco em 1961 pela Chanteclair, com o apoio e incentivo inestimáveis do rio-pretense, então acadêmico de medicina Ailton Arantes Ferraz, hoje emérito médico em São Caetano do Sul, e de Paulo Roque, advogado tributarista, morto há pouco, e foi quem escreveu a apresentação do álbum “Meu Amigo Violão”, o primeiro de seus discos.

Em 1976, à convite do maestro Benito Juarez, regente da Orquestra Sinfônica de Campinas, foi contratado como instrumentista de viola e lá permaneceu por onze anos. Foi também o solista de violão desta excepcional orquestra. Deixou a orquestra e, com doença cardíaca, aposentou-se, embora, com o estímulo do amigo e médico Paulo Laurito, também morto, apresentou-se em vários concertos de violão e tornou-se e é destaque como o terceiro melhor violonista do Brasil.

Esteve nos Estados Unidos em 2004 à convite do barítono e violonista Welson Tremura, rio-pretense que é professor de música no Brasilian Music Institute, onde José Rastelli se consagrou em memorável apresentação que foi gravada em um CD. José Rastelli é uma pessoa simples, humilde e de vida modestíssima e está refugiado no convívio familiar e envolto em embaçado anonimato. O músico não executa mais o seu inseparável violão.

Sua mão direita não consegue dedilhar as cordas do instrumento. Padece de alguma patologia que não foi ainda diagnosticada e, naturalmente, tratada. Aparentemente, perdeu o ânimo e a motivação e sua virtuosidade rendeu-se e sucumbiu aos dissabores e aos desígnios de uma suposta e lamentável doença. O silêncio dos seus dedos afogou as cordas e os acordes do seu amigo violão, agora emudecido e relegado a uma eterna e silenciosa saudade.

José Rastelli é um monumento vivo da história musical de Rio Preto e precisa ser cultuado e preservado pela raridade de seus pendores que, certamente, foram moldados e esculpidos pela perícia das mãos abençoadas do Divino Mestre.

ANTONIO LUIZ PIMENTEL
Advogado e membro da diretoria do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico (IHGG) de Rio Preto (pimentel.al@ig.com.br)


Fonte: Diário da Região