segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Grupo Baader-Meinhof vira filme




A Facção Exército Vermelho (em alemão, Rote Armee Fraktion ou RAF), também conhecida como Baader-Meinhof, foi uma organização de guerrilheira urbana alemã de extrema-esquerda, fundada em 1970, na antiga Alemanha Ocidental, e dissolvida em 1998. Recebeu o nome Baader-Meinhof, depois que Andreas Baader escapou da polícia graças à ajuda de uma jornalista de esquerda, Ulrike Meinhof.

As raízes da Facção Exército Vermelho podem ser encontradas no movimento estudantil alemão dos anos 1960.

Inicialmente centrados na crítica à instituição universitária, os estudantes alemães da época viraram as suas atenções para eventos internacionais, como a Guerra do Vietnã, a pobreza no Terceiro Mundo e a questão da energia nuclear. Os estudantes criticavam igualmente aquilo que lhes parecia ser a relutância da sociedade alemã em confrontar-se com o seu passado nazi. Para alguns, o Estado que vigorava na República Federal da Alemanha era uma continuação do Estado nazista.

A 2 de Junho de 1967 o xá do Irã realizou uma visita oficial à cidade de Berlim. O movimento estudantil aproveitou a ocasião para efetuar uma manifestação de protesto contra as violações de direitos humanos que aconteciam no Irã, denunciando a aparente indiferença que o xá e a sua esposa demonstravam perante as classes mais desfavorecidas de seu país. Na noite de 2 de Junho, os manifestantes concentraram-se junto à Ópera de Berlim, onde o xá deveria comparecer a um espetáculo.

A manifestação revelou-se um fracasso, já que o xá não se apercebeu da presença das multidões. Diante da presença de manifestantes contra e a favor do xá, a manifestação rapidamente desembocou no caos, e um jovem estudante, Benno Ohnesorg, seria morto, depois de ser baleado por um policial.

Entre os manifestantes encontrava-se Gudrun Ensslin, uma estudante de doutoramento da Universidade Livre de Berlim que, indignada com a morte de Ohnesorg, declarou que a única forma de responder à violência seria com violência. No Verão do mesmo ano, Gudrun Ensslin conhece Andreas Baader, que se tornaria o seu namorado. Juntos estariam na origem da Facção Exército Vermelho.

Em Março de 1968, Gudrun Ensslin e Andreas Baader decidem passar à luta armada. Ajudados por Horst Söhnlein e Thorwald Proll, viajam até Frankfurt, onde decidem colocar bombas em dois estabelecimentos comerciais. Ninguém saiu ferido nos incêndios que se seguiram, mas os prejuízos materiais foram estimados nos dois milhões de marcos. Num telefonema à Agência de Notícias da Alemanha, Gudrun afirmou tratar-se de um ato de vingança política.

Detidos a 4 de Abril de 1968, os quatro foram julgados e condenados cada um a três anos de prisão em Outubro do mesmo ano. Em Junho de 1969 os quatro incendiários foram libertados da prisão devido à apresentação de um recurso judicial. Quando o Tribunal Federal ordenou o regresso dos condenados à prisão, estes decidiram escapar. Söhnlein decide acatar a ordem, mas os outros três fogem para Paris, com a ajuda da irmã de Thorwald Proll, Astrid, refugiando-se no apartamento de Régis Debray.

De regresso à Alemanha Ocidental, Baader e Ensslin procuraram recrutar militantes para as suas ideias; entre eles estavam Horst Mahler, um advogado que tinha defendido Baader durante o julgamento relativo aos crimes de Frankfurt e Ulrike Meinhof, jornalista de esquerda. Ao mesmo tempo procuraram adquirir armas que serviriam para assaltar bancos. Numa tentativa de conseguir armas num cemitério perto do Muro de Berlim, seguindo uma informação falsa dada por um trabalhador de uma fábrica (na realidade um agente da polícia), Baader é detido.

Gudrun Ensslin procurou então convencer Ulrike Meinho a participar num plano cujo objetivo era libertar Andreas Baader da prisão. No dia 14 de Maio de 1970 Ulrike Meinhof encontrou-se com Baader no Instituto para as Questões Sociais, com a alegada justificativa de estar a escrever um livro sobre a juventude alemã. Enquanto a jornalista conversava com Baader na biblioteca da instituição, vigiada por um guarda, duas cúmplices ajudaram Gudrun Ensslin (armada e com uma máscara) e um simpatizante a entrar no edifício. Estes rapidamente libertaram Baader, tendo, no processo, disparado sobre o guarda e um funcionário da instituição.

No dia seguinte surgiram pelo país cartazes com a fotografia de Baader e Meinhof nos quais se solicitavam informações sobre o paradeiro de ambos. A imprensa conservadora referiu-se ao grupo de fugitivos como o "Grupo Baader-Meinhof" e esta passaria a ser a designação popular pela qual o grupo seria conhecido.

Em finais de Maio os fugitivos publicaram no jornal anarquista 833 um comunicado que anunciava a criação da Rote Armee Fraktion. Julga-se que o comunicado tenha sido escrito por Ulrike Meinhof.

Antes de proceder às suas acções armadas, os membros da Facção Exército Vermelho realizaram um treinamento na Jordânia, sob orientação da Frente Popular para a Libertação da Palestina. De regresso à Alemanha, em Agosto de 1970, os militantes planejaram assaltos a quatro bancos para arrecadar dinheiro e armas, atos executados em Setembro do mesmo ano. Também foram realizados ataques contra edifícios militares dos Estados Unidos, postos policiais e edifícios do império jornalístico de Axel Springer, além da tentativa de assassinato de um juiz. Novos recrutas uniram-se à organização: Jan-Carl Raspe, Marianne Herzog e Ali Jansen.

Em manifesto escrito por Meinhof, aparece pela primeira vez o nome RAF, com a estrela vermelha e a metralhadora Heckler&Koch MP5. Depois de uma intensa investigação, Andreas Baader, Gudrun Ensslin, Ulrike Meinhof, Holger Meins e Jan-Carl Raspe são novamente detidos, em junho de 1972, permanecendo encarcerados na prisão de segurança máxima de Stuttgart - Stammheim - construída expressamente para abrigá-los em celas isoladas, sem contato entre eles, enquanto as visitas familiares só eram permitidas a cada duas semanas. Ainda assim, Ensslin concebeu um "circuito de informação", definindo um apelido para cada um dos membros do grupo. Assim, mediante cartas que faziam circular através de seus advogados, conseguiram permanecer em contato.

Para protestar contra as condições em que se encontravam, iniciaram várias greves de fome coordenadas; finalmente receberam alimentação forçada. Meins, no entanto, morreu em 9 de novembro de 1974, pesando apenas 60 kg. Depois de vários protestos públicos, as condições do grupo foram melhoradas pelas autoridades.

Em 21 de maio de 1975, começou o julgamento de Baader, Ensslin, Meinhof e Raspe, conhecido como o "Julgamento de Stammheim".

Em 9 de maio de 1976, quando se festejava o dia das mães na Alemanha, Ulrike Meinhof foi encontrada morta em sua cela, enforcada com uma toalha. A investigação concluiu que se tratara de suicídio, conclusão bastante contestada.

Finalmente, em 28 de abril de 1977, os três acusados sobreviventes foram declarados culpados de vários assassinatos, tentativas de assassinato e de formação de organização terrorista. Foram sentenciados a prisão perpétua.

Em 13 de outubro o vôo LH181 da Lufthansa, que ia de Palma de Maiorca para Frankfurt, foi sequestrado por um grupo árabe. O vôo foi desviado, seguindo para Dubai, (Emiratos Árabes Unidos) via Larnaca, (Chipre), e de lá para Oman, onde o comandante Jürgen Schumann foi morto, em 16 de outubro. De lá, o avião decolou novamente, conduzido pelo co-piloto Jürgen Vietor, com destino a Mogadíscio, Somália.

Os nomes de Baader, Ensslin e Raspe constavam da lista de 13 presos cuja libertação era exigida pelos seqüestradores que, todavia, acabaram mortos por um comando de soldados alemães, especializado na luta antiterrorista, que invadiu o aparelho no aeroporto de Mogadíscio e libertou todos os passageiros.

Em 18 de outubro de 1977, Baader e Rasper foram encontrados mortos, com ferimentos a bala. O Ministério da Justiça de Baden-Württemberg, onde fica o presídio, informou que ambos se haviam suicidado com tiros de pistola e que Ensslin se enforcara na cela. Acrescentou que a outra presa, Irmgard Moeller, de 30 anos, também tentara o suicídio, cortando as veias do pulso e do pescoço, sendo hospitalizada em estado grave. O porta-voz do Ministério não informou contudo, como o grupo havia conseguido as pistolas, de uso exclusivo das Forças Armadas da Alemanha.

Irmgard Möller, embora ferida, sobreviveu. Foi liberada da prisão em 1994.

A morte lenta de Andreas Baader





Jean-Paul Sartre - 1974


No início, nós apertamos as mãos. Sentou-se diante de mim e, depois de três minutos, a primeira coisa que ele disse, um pouco como se fosse uma saudação, foi: "Eu pensei que estava lidando com um amigo, mas eles me mandaram um juiz ..."

Obviamente, isso foi por causa da declaração que eu tinha feito na TV alemã na noite anterior.

Eu acho que ele também espera que eu tivesse vindo para defendê-lo e seus companheiros com base nas ações que tinham tomado. Ele viu que eu não estava de acordo com eles. Eu vim como um homem de esquerda que se simpatiza com qualquer pessoa de esquerda em perigo, Esta é uma atitude que eu acho que deve ser generalizada.

Eu vim para que ele pudesse me dar o seu ponto de vista sobre a luta e a forma que a que tinha conduzido.

E eu não tinha chegado a dizer que eu estava de acordo com ele, mas simplesmente para saber quais de suas opiniões e se elas poderiam ser retomadas em outro lugar. Para falar sobre a sua situação na prisão como um prisioneiro .

Em seguida, falou de sua vida na prisão. Perguntei-lhe por que ele estava em greve de fome. Ele respondeu que ele estava fazendo isso para protestar contra as condições do seu encarceramento.

Como sabemos agora, há um certo número de celas na prisão, também existem em outras prisões alemão. Eles estão separados das outras celas, que são pintadas de branco. A luz elétrica fica acesa até às 23 horas, e às vezes ficam acesas 24 horas.

E há algo que está faltando: o som. O objetivo é enfraquecê-los e torná-los perfeitamente inaudível dentro da própria cela.

Sabemos que o som é indispensável para um corpo humano e consciência. Deve haver uma atmosfera que rodeia uma pessoa.

Há ausência de som, que chamamos de silêncio. O som de um bonde que passava, a de um transeunte na rua, sirenes de alerta estão ligados à conduta humana, eles marcam presença humana.

Esta falta de comunicação com os outros através do som cria profundos problemas - problemas circulatórios no corpo, e problemas de consciência. Estes últimos destroem o pensamento, tornando cada vez mais difícil. Pouco a pouco, provoca desmaios, então o delírio, e, obviamente loucura.

Assim, mesmo se não houver nenhum “torturador”, a situação é de tortura. Isto provoca a tortura do preso, que o leva a estupefação ou à morte.

Baader (foto), que é uma vítima dessa tortura, fala muito apropriadamente, mas de vez em quando ele pára, perde a linha de pensamento. Ele pega a cabeça entre as mãos no meio de uma frase e em seguida, inicia-se novamente dois minutos depois.

Seu corpo está fino por causa da sua greve de fome, ele é alimentado à força pelos médicos da prisão, mas está muito magro, perdeu 15 quilos. Ele flutua na sua roupa, que se tornaram demasiado grandes. Já não existe qualquer relação entre o Baader e o homem de boa saúde que conheci.

Estes procedimentos, reservado para presos políticos, na solitária - pelo menos, os do grupo Baader-Meinhof - são procedimentos contrários aos direitos do Homem.

De acordo com os Direitos do Homem, um preso deve ser tratado como um homem. Ele está preso, mas ele não deve ser objeto de qualquer tortura, ou qualquer coisa que tenha por objetivo levar a morte ou a degradação da pessoa humana. Este sistema é precisamente contra a pessoa humana e destrói.

Baader ainda está resistindo muito bem. Ele está enfraquecido, certamente doente, mas ele permanece consciente. Outros estão em coma.

Há medo para a vida dos cinco detentos dentro das próximas semanas, meses, ou talvez mesmo dias. É urgente que um movimento seja configurado para exigir que os presos sejam tratados de acordo com os Direitos do Homem, para que não sofram nenhum tratamento específico, que poderia impedi-los de responder corretamente todas as perguntas que serão colocadas para eles no dia de seu julgamento ou mesmo, como já aconteceu uma vez, para matá-los.

Já existe uma defesa empenhada para os prisioneiros alemães na França. Esta comissão trabalha em conjunto com a Holanda e Inglaterra. Mas é importante que uma comissão deste tipo seja criada na Alemanha, formada por intelectuais, médicos e pessoas de todos os tipos, detidos por crimes comuns e presos políticos sejam tratados da mesma maneira.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Mário Bortolotto foi vítima de um tiro parado no ar

Baleado dentro do Espaço Parlapatões, na praça Roosevelt, no último sábado, dramaturgo passou de testemunha de seu tempo a vítima da realidade factual

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O diretor Fernando Peixoto descreve a estrutura de "Um Grito Parado no Ar", de Gianfrancesco Guarnieri, no teatro Aliança Francesa, em 1973: "Um diretor e cinco atores procuram realizar um trabalho, enfrentando toda sorte de pressões externas; [...] noutro plano estão os poucos momentos em que o diretor e atores conseguem vencer; o espectador assiste ao processo de criação do ator. A mística do teatro é desnudada. [...] No terceiro plano estão as entrevistas com o povo, todas autênticas, gravadas nas ruas de São Paulo. Na peça dentro da peça seriam entrevistas realizadas para servirem de material de estudo para a criação de suas personagens".

Trinta e oito (38!) anos depois, na mesma cidade onde a população (rica e pobre) passou a ter a mesma vida dos ratos, dentro de carros com insulfilm, de escritórios, nas fábricas, escrava de apartamentos cuidados por uma imensa população de escravos chamados de empregados, há uma praça onde passa a vigorar uma estranha proibição de ir e vir.

São os próprios moradores -que substituíram os travestis e prostitutas de um tempo- a chamar as autoridades, obrigadas a cumprir a lei -não importa se a lei vale ali e para os 99% dos lugares periféricos onde há tiroteios e chacinas.

Um dramaturgo que tem um blog chamado "Atire no Dramaturgo", dentro de um dos teatros da praça, reage a um assalto promovido por ladrões drogados e certos da impunidade. É baleado, espera-se não mortalmente.

Não é Camus, não é Kafka, não é Buñuel, não é mais Guarnieri. O próprio dramaturgo não pode contar a condição absurda dessas circunstâncias. Porque de testemunha de seu tempo virou vítima da realidade factual. Esse é o drama: nenhum de nós consegue contar a tragédia, porque não há público que possa entender tal lógica. Quem é o promotor dela?Quem financia aquela bala?

Escola

Na praça emblemática do drama com uma bala parada no ar, vai se instalar uma escola de teatro onde se ensinará o grito. Não é uma escola qualquer; é dirigida aos que não podem estudar, aos únicos que entendem a lógica de contar histórias nas quais vivem. Gente que está fadada a viver como aquele assaltante que "atirou no dramaturgo". Mas se revolta, indignada, a classe imbecil que ideologiza a nossa cidade, os "libertários" que inventam e habitam apartamentos de muitos cômodos, banheiros e três garagens em 60 m2. Aquela gentalha aparentemente decente tão bem criticada nos filmes e escritos do cineasta Pasolini. Exigem mais escolas perto deles. Escolas inacessíveis a quem precisa de uma linguagem para poder se contar.

Italiano brasileiríssimo, o autor de "Um Grito Parado no Ar", Gianfrancesco Guarnieri, declarou que "ter de modificar a própria maneira de falar pode ser bom, no sentido em que a modificação traz a conquista de novos instrumentos".

Gianfrancesco vinha de um país que, acabado o fascismo, resolveu o problema de forma direta: escolas boas para todos, indiscriminadamente. Em duas gerações, acabou a violência. Mas aqui fingimos pensar o grande, o social e o econômico. E se continua como antes, na deseducação e no falso sonho de liberdade.

Esse tiro parado no ar de que o nosso Bortolotto infelizmente é protagonista precisa ser extraído de nossas cidades. Se tivermos, como classe, assumido a responsabilidade de artistas, indo além dos interesses ideológicos, vamos dar condições "gramáticas" de resposta a quem não tem. Isso quer dizer fazer estudar quem realmente pode puxar um gatilho.

Resposta

Se quisermos dar uma resposta civilizada e de classe a esse absurdo, esta só poderá ser histórica e de longo prazo; formar mais artistas e dramaturgos -os próprios protagonistas daquela triste madrugada, os que ensinarão, os que estudarão na praça- para contar o que não se consegue contar agora.

Não se trata do lugar-comum "a vida imita a arte", porque isso é material de literatura, de teatro, de música e de arte.Há meses venho dizendo que ali se trava uma batalha social, política e humana. Há vozes de heroísmo e de demagogia. Quem banca tal espetáculo, tal escola, e por aí vai, como fofocas numa luta de miseráveis. Isso tem de mudar. Somente reflexão, inteligência e disciplina poderão salvar tudo. E quando escrevo "tudo" escrevo "centro". Neste momento somos símbolo e centro de um drama que pode modificar o seu final.

A nós agora cabe decifrar como contar e com qual gramática podemos lutar para que as coisas melhorem. E isso é possível. Por enquanto, envio força vital ao Bortolotto.

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO é diretor de teatro

Fonte: Folha de S. Paulo