terça-feira, 25 de junho de 2013

Ruy Sampaio - Luta e Solidariedade

Ruy S. Sampaio
Jair Ferreira dos Santos

Os elogios fúnebres estão entre as peças mais convencionais da literatura. Meu amigo Ruy Sampaio faleceu há poucos dias. E me deixou um problema. Como escrever de modo convencional sobre um ser absolutamente inconvencional? Àqueles com os quais conviveu, ele impressionava pelo prazer do diverso, da ousadia, do extremo, aquilo que o inscrevia no pequeno grupo das criaturas de exceção.

A solução quem sabe exija que eu procure em sua personalidade o que havia de mais radical para a sua definição. Em Ruy Sampaio, esse traço se chamava, a meu ver, inconformismo. Este sentimento esteve presente nas decisões importantes que pautaram sua história, fundamentou sua crença em que um mundo melhor era possível. Foi por não se conformar com as injustiças sociais, com os abusos de poder que ele optou, tenho certeza, pela advocacia trabalhista e pelo socialismo na ação política.

Para meu amigo Ruy Sampaio, ser desconforme significava não só desconfiar do rebanho, mas também acreditar no valor essencial da polêmica, pela qual defendia o rebanho. O debate parteja a luz, isto é, o conhecimento, sem o que estamos no pior dos mundos. Aqui eu me lembro das inúmeras discussões políticas que tivemos; era raro sua inteligência incisiva, auxiliada por um amplo domínio da História, não prevalecer. Depois, ele achava que contestar, questionar, mesclando vez por outra humor à seriedade, respondiam por uma necessidade ética: não se omitir, assumir posições eram atitudes vitais para a conquista da cidadania, individual ou coletiva, porque instigavam os demais a deixarem sua zona de conforto conformista. Este não era um dos menores serviços que prestava à comunidade.

Com isto Ruy Sampaio corria o risco de ser tachado como alguém entre o incômodo e o bizarro. No seu caso, esses rótulos jamais colaram, por uma razão muito simples: até os inimigos aplaudiam a extensão da sua coragem, a maior de todas as virtudes, no dizer dos filósofos, porque dela dependem todas as outras.

Não seria exagero admitir, enfim, que o inconformismo em meu amigo Ruy era um atalho para a felicidade, especialmente por seus vínculos com a esperança. Cujas filhas mais próximas são a alegria e a bondade. Familiares, parentes e amigos, nos quais, agradecidamente, tanto se apoiou, sabem o quanto ele podia ser divertido e se recusava a sofrer; também conhecem o quanto estava disposto a preterir seus interesses em favor do outro. Eu mesmo me beneficiei do seu apreço pela fraternidade, que não era sem critério.

Seu legado para mim e, espero, para muitos que lhe foram próximos, será sempre algo semelhante a isto: nascemos e nos criamos na luta, mas o homem não é o lobo do homem, é seu ombro.


Jair Ferreira dos Santos é ficcionista, poeta, ensaísta e autor, entre outros, do livro de contos A Inexistente Arte da Decepção. Figura na coleção Primeiros Passos com O que é Pós-moderno, trabalho que já vendeu cem mil cópias. É autor do livro de contos Kafka na Cama e do volume de poemas A Faca Serena, premiado pela Associação dos Críticos de Arte de São Paulo.