Com Geraldo Hasse, em Floripa |
Geraldo Hasse |
Lourenço Cazarré
Especial para o Amigos de Pelotas
Geraldo Hasse, jornalista formado na UCPel
em 1968. Com uma trajetória profissional marcada por passagens pelos mais
importantes veículos de comunicação do país (revistas Veja, Exame e Placar;
jornais Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil), e autor de treze
livros-reportagem relevantes, Geraldo Hasse é um dos mais destacados
jornalistas brasileiros. Em 1993, foi diretor de redação do Diário da Região em
Rio Preto. Além de excelente profissional, um grande amigo e mestre. Abaixo,
trechos da entrevista concedida ao site Amigos de Pelotas.
Quando e em que circunstâncias você chegou a Pelotas?
Passei a infância em Cachoeira do Sul, onde nasci. Saí de lá
em dezembro de 1961, aos 15 anos incompletos. Meu pai, querendo voltar para sua
terra natal, comprou uma casa nas Terras Altas, onde nos instalamos - minha
mãe, eu e um irmão. Meu pai e outros dois irmãos ficaram em Cachoeira para
fazer a última colheita (de arroz). Ele plantava em terras alheias, foi mal e o
plano de mudança furou. Minha mãe voltou para Cachoeira, a terra natal dela. Eu
fiquei em Pelotas, onde tinha uma pá de parentes pelo lado do pai.
Era conhecida como Pensão da JUC, mas não tinha nada a ver
com o catolicismo ou o cristianismo. No alto de uma parede interna estava
escrito em letras de imprensa: DEUS É UM MITO SUBLIME
Estudou em que colégio?
Gonzaga de 62 a 65. Um ano (64) como interno. Depois fui
morar numa república na rua Senador Mendonça, 10. Era um velho sobrado com seis
quartos e 13 camas, todas ocupadas por estudantes de agronomia, menos eu. Era
conhecida como Pensão da JUC, mas não tinha nada a ver com o catolicismo ou o
cristianismo. No alto de uma parede interna estava escrito em letras de
imprensa: DEUS É UM MITO SUBLIME.
Como foi sua carreira no futebol amador?
Logo que cheguei às Três Vendas, no verão de 1961/62,
descobri um campo de futebol no fundão da Vila Brod. Várzea pura. O time do
bairro vestia camiseta quadriculada em preto e branco. Era o Esporte Clube
Camponês, fundado em 1911. Fiquei fascinado pelo nome e pela camiseta xadrez.
Logo comecei a participar dos rachas e fui cavando um lugar no time. Em 67 o
Camponês foi o campeão amador da cidade. O time titular era Newton Peter no
arco, Odair Peter na lateral direita, Plínio Hoffmann na zaga direita, Sander
na zaga esquerda e Lourenço na outra lateral; o meio de campo era formado por
Nego Coco, Rabaça e este que vos fala; no ataque eram o Souza, que tinha sido
profissional no Bancário, o Paulo (irmão do Lourenço) e o Pancho, que todos
diziam ter qualidades para ser profissional. Fomos campeões invictos. A sede do
time era no bar dos irmãos Aldo e Silvio Brod (que era o técnico do time), num
casarão antigo da avenida Fernando Osório. Depois disso, o Camponês foi
participar do campeonato colonial, onde muitos atletas jogavam por dinheiro.
Nessa época destacou-se no Camponês o Lopes, um meio-campista que acabou sendo
contratado pelo Pelotas. Eu treinei no Pelotas e no Farroupilha, mas não tinha
futebol para ser profissional.
Por que você resolveu estudar jornalismo?
Era o único curso noturno que me interessava, até porque
durante o dia eu já trabalhava em rádio.
E você trabalhou em jornal em Pelotas?
Durante pouco mais de um ano, no final do curso, trabalhei
no Diário Popular como redator. Só fazia reportagem como voluntário. Pouca
coisa. O jornal havia contratado o serviço das agências France Presse e JB. O
noticiário internacional vinha em espanhol. Eu verti para o português todo o
noticiário sobre as revoltas estudantis de maio de 1968, a resistência
vietnamita ao massacre americano e a invasão da Tchecoslováquia pelos tanques
soviéticos. Estava na boca do teletipo quando saiu a notícia de que o governo
brasileiro havia decretado o AI-5 em 13 de dezembro de 1968.
E por que você foi embora de Pelotas?
Eu queria aprender, trabalhar numa revista como a Veja, que
havia sido lançada em setembro de 68. Nós do jornalismo da UCPel tínhamos um
colega na Veja. Ele havia abandonado o curso para participar da primeira equipe
da revista.
Quem foi esse cara?
Laerth Pedrosa Jr. Foi o maior talento do jornalismo da
UCPel naqueles primeiros tempos. Era formado em artes e escrevia bem pra
cacete. Tanto que acabou saindo do jornalismo pra trabalhar como redator de
publicidade, primeiro em São Paulo, depois no Rio e até em Londres.
Então foi ele que te colocou na Veja?
Diretamente não porque quando cheguei a São Paulo ele já
tinha deixado a redação da Veja, que estava até demitindo gente já que no
começo a revista não emplacou. Mas indiretamente ele ajudou porque me
apresentou para vários caras que permaneciam na revista. Um deles, Elmar Bones
da Costa, me convidou pra cobrir as férias dele na sucursal de Curitiba.
Não foste contratado?
Entrei como substituto temporário de um funcionário que
estava saindo de férias. Sem carteira assinada nem qualquer garantia. Foi um
arreglo de amigo.
E tu conhecias Curitiba?
Só de ouvir falar.
E antes de entrar na Veja onde trabalhavas em São Paulo?
No Popular da Tarde, um vespertino. Me mandei de Pelotas em
abril de 1969. O professor Pinho dizia que tínhamos de ir embora pra aprender
de fato. No dia em que cheguei a São Paulo, fui meio automaticamente à redação
do Diário Popular local e entreguei um filme com fotos de um congestionamento
de cinco quilômetros na BR-116, entre Curitiba e São Paulo. Era uma sexta à
tarde. Eu fora testemunha e vítima do acidente, pois estava no ônibus que ficou
retido várias horas pelo desmoronamento da estrada. Na segunda-feira, fui ao
jornal ver se tinham aproveitado meu filme. Uma foto tinha saído na capa da
edição dominical. Na primeira dobra!
Estavam mal de foto...
Muito mal. Mas deu resultado: me ofereceram um emprego de
copidesque no vespertino Popular da Tarde, o filhote da empresa. Fiquei lá três
meses, até ser convidado a cobrir as férias do correspondente da Veja em
Curitiba.
Você largou um emprego de jornal para cobrir férias na
revista?
Sim, porque era na revista que eu queria trabalhar. E o
salário no jornal era baixo. Eu não via futuro ali. Depois de cobrir as férias
na Veja, fiquei em Curitiba como free-lancer de outras revistas da Abril. No
Popular da Tarde fui demitido por abandono do emprego. Um ano depois, quando o
Elmar Bones foi transferido para a redação central, fiquei no lugar dele. Mais
um ano depois, fui convidado pra trabalhar na redação paulistana. Só então
assinaram minha carteira.
Você foi repórter de economia & negócios na época do
milagre?
Sim, mas sempre torci pelas bases.
Por que você trocou a Veja pela revista Exame?
Na Veja eu tinha virado editor-hemorróida, como dizia Helio
Teixeira, da sucursal de Curitiba. Era dos caras que ficavam na redação,
bolavam as pautas, botavam o reportariado para trabalhar e depois eram
obrigados a manipular as matérias. Eu queria trabalhar na reportagem. A Exame
me deu essa chance. O cargo era de editor, mas ali eu era um repórter especial.
Uma matéria agrícola que escrevi em 1979 foi premiada com o Esso de Reportagem
Econômica. Dividi o prêmio com mais 12 pessoas. O que prova que jornalismo é
essencialmente um trabalho de equipe.
E a imprensa nanica?
Tanto na Veja como na Exame, eu não podia publicar tudo que
apurava e sabia. A saída era desovar as informações na imprensa alternativa. Eu
ajudei o Coojornal. Vendia assinaturas em São Paulo, coordenava free-lancers,
escrevia matérias, fazia fotos.
Depois você foi para o interior do Estado de São Paulo.
Durante a maior parte do tempo em que morei em São Paulo, eu
frequentava bairros que pareciam boas cidades do interior. E sempre que podia
ia fazer matérias em cidades do interior. No fundo queria voltar pra Pelotas.
Meu sonho era dirigir o Diário Popular. No início da década de 80, fui
convidado a trabalhar como assessor de comunicação social de uma grande empresa
da região de Ribeirão Preto. Topei porque estava saturado de São Paulo.
Como foi sua experiência como assessor de imprensa?
Durou dois anos. Aprendi bastante mas em resumo foi muito
desgastante porque na assessoria de imprensa não existe espaço para a
imparcialidade teórica reinante no jornalismo. O papel do AI é enfeitar a
imagem da empresa. Cobra-se dele que ajude a manter o faz-de-conta da eficiência,
qualidade garantida etc. Na prática, o AI deve ajudar a vender. Eu tinha me
formado dentro da idéia de que o jornalista é um missionário da verdade que não
pode vender a alma por um punhado de dólares.
Muito bonito. E daí?
Voltei ao jornalismo. Fui convidado a trabalhar na Folha de
S. Paulo, que estava fazendo a revolução de 1984. Mas não me enquadrei no ritmo
do jornalismo diário de São Paulo. Agüentei lá só 45 dias.
Chutou o balde?
Fui trabalhar na redação da revista Placar, que estava sob a
direção de Sérgio de Souza, ex-Realidade. Depois de seis meses, voltei para
Ribeirão Preto, agora como frila.
Por que tanta mudança?
Buscava a felicidade. A estabilidade no emprego nunca fez
minha cabeça.
Afinal, encontrou o que buscava?
Sim, mas aí tem um problema sério: a felicidade é muito
arisca e vive escapando. Concluí que num trabalho – e não num emprego – se
devem buscar três coisas: um ambiente humano agradável, uma remuneração digna e
a gratificação pelo trabalho realizado. É difícil juntar os três ingredientes
no mesmo local, por longo tempo, mas acho que um profissional tem a obrigação
de procurá-los e o direito de exigi-los. A coisa começa a desmoronar quando a
gente é obrigado a contentar-se com apenas dois dos ingredientes. Quando a
gente fica somente com um, é hora de abandonar o barco. Há quem fique num
emprego apenas pelo salário, sem se importar com o ambiente de trabalho e a
gratificação profissional. Ou quem permaneça no posto porque tem bons colegas
ou porque o resultado do trabalho é bom. Pra mim isso é impossível.
Foi então que Você se atirou nos livros-reportagem?
Não, não me atirei. Diria que passou um cavalo encilhado e
eu aproveitei a oportunidade. Em 85 o Brasil exportou um bilhão de dólares em
suco de laranja. Trabalhei dois anos num livro chamado A Laranja no Brasil, que
virou referência como pesquisa histórica e projeto gráfico. Foi gratificante na
maior parte do tempo. Um livro permite fazer jornalismo temperado pela história
e a literatura. É uma nova dimensão do trabalho do repórter. A gente escreve
mais para a posteridade do que para a atualidade.
Você trabalhou numa revista agrícola chamada Guia Rural?
Sim, por três anos. Foi uma bela experiência no final dos
anos 80 até o começo da década seguinte. Nessa revista da Abril eu me
aprofundei bastante como repórter rural. Mas havia uma coisa errada: eu morava
em São Paulo, que não é o melhor lugar para morar. Queria ser correspondente
num pólo agrícola. Na redação riam desse meu projeto.
E daí?
Meses antes da revista fechar eu pedi demissão e fui morar
numa vila de pescadores a 20 quilômetros de Vitória. Era abril de 1991. Uma
seção do Guia Rural chamada Almanaque, que eu fazia, foi “comprada” pela Globo
Rural. Foi esse o meu único trabalho no começo da vida no Espírito Santo.
Depois pintaram outros frilas. Um deles, em 91, foi um relatório ambiental
preparatório para a Eco-92. Outro, um especial sobre a história do Espírito
Santo.
Mas o Espírito Santo
é do tamanho de Sergipe. Como viver num lugar tão pequeno?
É difícil sobreviver,
mas prazeroso viver. Fui levando até ser convidado, em dezembro de 1993, para
dirigir um jornal em São José do Rio Preto, cidade de 300 mil habitantes no
interior paulista. Fui e realizei o sonho que havia premeditado para Pelotas,
quase 30 anos antes.
E por que largou mais
esse emprego?
Apareceram dois
livros para eu escrever. Quando se tornou impossível conciliar tanto trabalho,
larguei o mais chato, que era dirigir a redação do jornal. O livro Filhos do
Fogo, de 1996, é a história da indústria metalúrgica de Sertãozinho. O Brasil
da Soja, de 1997, é a última saga da agricultura brasileira.
Quando esses livros saíram, o que você foi fazer?
Em 1997, fui trabalhar no governo de Vitor Buaiz, no
Espírito Santo. Foi minha única experiência como jornalista em governo. Buaiz,
um médico esquerdista, foi eleito pelo PT, mas acabou sendo expulso do partido
por fazer uma aliança estratégica com o governo tucano de Fernando Henrique
Cardoso.
O que você fazia lá?
Trabalhava como redator de projetos numa agência de
desenvolvimento do governo. E também escrevia artigos e discursos para o
governador.
Quando deixou esse trabalho no governo, foi trabalhar na
Gazeta Mercantil?
Voltei a fazer frilas para revistas como Galileu, Globo Rural
e Época. Até que um ano depois, em junho de 1999, pintou o trabalho na Gazeta
Mercantil. Voltei a ser um repórter de economia & negócios, mas com uma
liberdade de ação que eu nunca tinha tido. Eu bolava uma pauta, escrevia a
matéria e o jornal publicava com destaque.
E como foi parar na Gazeta Mercantil em Florianópolis?
Eu estava a fim de voltar para o Sul e me ofereci para
trabalhar em alguma sucursal da região. Me ofereceram Caxias ou Pelotas, mas o
salário era insuficiente para sustentar a família - mulher e quatro filhos.
Assim que recusei, abriu a vaga de editor pleno em Floripa. Mudei para Santa
Catarina em março de 2000. Eu achava que tinha conquistado o posto final da
minha carreira: ser uma espécie de correspondente de luxo do maior jornal de economia
& negócios do país. Ganhava bem, não tinha chefe por perto e não chefiava
ninguém. Depois de mais de 30 anos de jornalismo, era a situação ideal para
mim. Eu me pautava e fazia matérias especiais que tinha boa acolhida no jornal.
Era uma situação anômala. O jornal ia bem, mas a empresa não. Em outubro de
2001 completei três meses sem receber salário e fui procurar o que fazer.
Peguei um livro que me sustentou por um ano.
Por que, ao voltar para o Rio Grande do Sul, em 2005, você
foi morar em Osório?
Em Floripa a vida se tornou muito cara. Porto Alegre também
é uma cidade cara, poluída e complicada. Osório fica na ponta da Free Way,
perto do mar, é uma cidade boa para quem trabalha em casa, sem horário. Em vim
fazer livros e matérias para o JÁ, um jornal-editora alternativo. Em quatro
anos fiz quatro livros para ele.
Quarenta anos depois de formado, o que você pensa do
jornalismo praticado hoje? Indicaria o jornalismo como carreira para um jovem?
O jornalismo foi contaminado pelo marketing, que se tornou
dominante em tudo, mas eu indico o jornalismo como um bom caminho para quem tem
a pulsão da narrativa.
Mesmo ali permanecia aquela idéia de voltar ao Sul profundo.
Na verdade, nunca tirei Pelotas da minha cabeça. Tanto que de vez em quando
invento uma pauta que me permita voltar à cidade. Sempre com emoção