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Filme Rota Irlandesa |
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Filme Rota Irlandesa |
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O rio-pretense Luís Augusto Branco, no Iraque |
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Luís Augusto depois do atentado
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Assisti, essa noite, o filme Rota Irlandesa (Route Irish,
2010), um thriller denuncista sobre a
guerra do Iraque do cinema engajado do britânico. O filme foi indicado a Palma
de Ouro, em Cannes.
A tal rota irlandesa é o apelido da "via mais perigosa
do mundo", como ficou defindo o trecho que ligava o aeroporto de Bagdá à
chamada Zona Verde, a área segura que o exército dos EUA isolou ao redor do
antigo palácio de Saddam Hussein.
Foi na rota irlandesa que morreu Frankie (John Bishop), alvo
de uma emboscada iraquiana, para desespero de Fergus (Mark Womack), o amigo de
infância que havia convencido Frankie a ganhar vida no Oriente Médio.
A ação se passa em 2007. O filme mostra a atuação de empresa
de segurança privada cujos funcionários passaram ser conhecidos do público como
o exército de mercenários em atividade no Iraque.
Na época, entre 100 mil e 130 mil "soldados
privados", termo preferido pelas companhias que os empregam, em ação na
guerra, a maioria em atividades ligadas a segurança e defesa. O total é quase o
equivalente aos 145 mil soldados norte-americanos que estavam no país.
Sem regras
O filme também traz à tona outro aspecto polêmico desse
contingente em ação no Iraque. Diferentemente dos soldados, que respondem ao
código de conduta do Pentágono, os "privados" se encontram numa zona
juridicamente cinzenta. Até 2007, eram regulados pela Ordem 17, assinada por
Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório
do Iraque.
Pela disposição, nunca revogada, "os privados devem ser
imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles
enquanto a serviço de empresas". A ordem abriu brecha para que tanto o
governo iraquiano quanto os comandantes militares dos EUA se eximissem da
responsabilidade sobre essas dezenas de milhares de pessoas, de várias origens
e nacionalidades.
A Guerra em Rio Preto
Tudo isso me fez recordar do dia em que amanhecemos como
nosso condomínio, o Green Park, em Rio Preto, cercado por emissoras de TV.
O rio-pretense Luís Augusto Branco foi vítima de um atentado
suicida na Rota Irlandesa, quando fazia a escolta de políticos. Ele estava no
banco de trás de um carro blindado, voltando do aeroporto de Bagdá, olhando um
automóvel que passava ao lado, quando um clarão pardo tomou toda a sua vista.
Um estrondo tão violento que nem barulho fez. O próprio som sumiu. A próxima
coisa que sentiu foi a água e a lama de uma poça. Se deu conta de que o veículo
que trafegava lentamente a seu lado na pista da direita era um carro bomba. Suas
pernas estavam moídas, imersas na lama, o fêmur exposto.
De acordo com a família, que morava no Green Park, Luiz
Augusto trabalha em uma empresa de segurança australiana e está no Iraque há
quase um ano, onde presta serviços para uma organização não-governamental militar.
O rio-pretense Luís Augusto Branco chegou a estudar
engenharia na Escola Politécnica da USP, em São Paulo, mas desistiu do curso
pouco antes de se formar. Também cursou Direito, na Faculdade do Largo São
Francisco, também na Capital.
Após o curso, Luís Augusto prestou exame para a Academia de
Polícia do Barro Branco, onde ingressou na carreira militar. Segundo nota à
imprensa divulgada pela assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança
Pública (SSP), ele entrou na corporação em 17 de janeiro de 1994 e pediu baixa
do serviço em 25 de junho de 2004.
O filme Rota Irlandesa parece falar da vida do rio-pretense
Luís Augusto Branco.
Abaixo uma entrevista que Luís Augusto Branco concedeu, em
2005.
Fonte: http://fudeus.wordpress.com/2007/09/26/pe-de-guerra/
Como foi o dia em que você sofreu o atentado?
Foi em 16 de abril deste ano. A minha equipe tinha a missão
de buscar passageiros que estavam chegando ao aeroporto de Bagdá. Saímos de
manhã, aguardamos todos chegarem e, no intervalo entre duas e três horas da
tarde, saímos do aeroporto. Eram três carros. Não tenho como me lembrar da
formação deles e do tipo de carro, mas eu estava no banco de trás do segundo
deles, no que foi alvo do carro bomba.O carro bomba trafegava do seu lado?
É. Não havia outros carros próximos. A gente estava passando
por ele e notei que o carro se locomovia lentamente na pista da direita.
Você estava olhando pro motorista? Viu ele detonar a bomba?
Acredito que tenha sido um segundo observador, talvez alguém
em um outro carro, que detonou. Porque o motorista não teve nenhuma reação, não
fez nada suspeito. Quando chegamos a uns 10 metros tudo explodiu.
E como foi o instante? O que você sentiu?
Eu não ouvi a explosão. O estrondo é tão grande que houve um
bloqueio do som. Simplesmente ausência total de barulho. Eu estava de óculos
escuros e vi um clarão pardo, meio bege escuro. Essa cor ficou gravada na minha
cabeça. Eu estava olhando para o carro e de repente me senti dentro da água.
Minhas mãos estavam na lama. Levantei a cabeça e percebi que estava numa poça
no meio do canteiro entre as duas pistas. Quando eu me virei para sentar
percebi que as minhas pernas estavam todas bastante fraturadas. Senti a perna
fora da posição, o meu fêmur tinha fratura exposta, o osso saía pra fora da
calça.
Você se lembra do momento em que foi jogado para fora do
carro?
O carro era blindado e ficou bastante danificado. Foi atirado
uns 20 metros adiante na pista. Mas não sei de que forma eu fui jogado do
carro. Não tenho idéia se ele rodou, se capotou ou o quê.
E o que você fez na hora em que se deu conta?
A primeira coisa que pensei foi que estava consciente e
respirava bem. A poça era meio curta e vi minha perna saindo do outro lado. Os
pés meio boiando, a perna meio solta. Aí vi que ainda conseguia mexer os pés.
Percebi que as pernas estavam totalmente desalinhadas, mas ainda ligadas. Minha
mão esquerda não estava respondendo muito bem. A força da explosão provocou as
fraturas e também a onda de calor que me fez queimaduras no rosto e nos braços.
Lembro ter ficado preocupado com a perda de sangue e com medo de perder a consciência
dentro da água. Então procurei me arrastar com o cotovelo pra fora da poça. E
me recostei.
E o que fez depois?
Olhei em volta e procurei minha arma. Nessas horas há o risco
de ataques secundários dos insurgentes. Não achei meu fuzil, só a pistola.
Então percebi que o meu pessoal, dos outros carros não atingidos, já tinha
estabelecido um perímetro de segurança. Só relaxei mesmo quando chegou o
exercito americano uns 20 minutos depois.
O que você pensava nesse tempo?
Eu só pensava no que estava acontecendo lá. Nesta hora a
gente acaba fazendo o que estamos treinados, o “ABC”. Isto primeiro, isto
depois, qual o próximo passo.
Não pensava que poderia morrer ou ficar paralítico?
É como um assalto. Tem gente que fica fria, se controla, faz
pergunta para o assaltante. Tem outros que entram em pânico e tentam lutar. Na
nossa atividade temos muito preparo mental, estudamos e treinamos procedimentos
justamente para tirar o lado emocional na hora que acontece um acidente. São
coisas que estão no subconsciente e o medo acaba ficando em segundo plano.
Como foi seu tratamento?
Passei alguns dias em Bagdá, fazendo os primeiros
atendimentos no hospital militar. Fizeram um trabalho excelente. Eu estava com
medo de perder as pernas, porque os cortes estavam muito profundos. Depois eu
fui mandado para o Kuwait. Não senti confiança para ficar naquele hospital e
logo voltei para fazer o tratamento no Brasil.
E seus pais, como ficaram sabendo?
Foi um pânico, não tem um jeito bom de dar uma noticia dessa.
Minha noiva me acompanhou o tempo todo lá, ligou para meu irmão e ele disse a
meus pais. Na hora eles viajaram para o Kuwait. Não consegui evitar.
Falando nos seus pais, você deu trabalho quando criança?
Não. Nunca arranjei briga. Sempre fui bom aluno… pelo menos
até entrar na faculdade. Eu terminei o colegial em Rio Preto e vim pra São
Paulo fazer um ano de cursinho. Quando entrei na Faculdade de Engenharia
[Poli-USP] deixei de ser bom aluno e fiquei dando cabeçada. Realmente não me
encontrei no que fazia.
Você estava em crise?
É, não estava contente. Até o colegial tudo foi muito
tranqüilo. E de repente eu não estava feliz. E quando eu comecei a estudar essa
possibilidade da polícia eu senti um entusiasmo que eu já tinha perdido na
Poli. Então eu acabei me direcionando pra isso e posso falar que deu certo,
porque apesar de nunca ter sido uma carreira gostosa é uma coisa que eu faço
com satisfação.
Você fez quantos anos de Poli?
Eu fiquei uns quatro anos até que saí pra entrar em Direito
no Largo de São Francisco [USP]. No mesmo ano, prestei Academia do Barro
Branco, para virar policial, mas só entrei no ano seguinte. Foi quando larguei
a São Francisco também. Eu queria ser PM mesmo, trabalhar na rua.
Por que acha que teve essa vontade?
Eu sentia vontade de estar mais próximo das pessoas quando
elas precisam, aquele momento mais extremo. Eu queria poder atender a suas
emergências. O risco da profissão nunca me atraiu.
Você não tinha preconceito da polícia?
Não, apesar de ter sido criado numa família em que varias
pessoas fizeram USP e eram mais voltados pra esquerda. É a velha história, você
ouve muito sobre um lado só que acaba tentado a descobrir o que tem do outro,
né?
Por que você optou pela Rota? Tem certeza de que o risco não
te atrai mesmo?[risos] Eu acho que é um pouco da mística, de uma unidade que
tinha uma moral elevadíssima. Era o policiamento que eu gostaria de fazer e era
uma unidade com mais tempo para treinar e fazer uma coisa mais especializada.
E a fama de truculenta da Rota?
A gente trabalhava sempre em áreas de maior índice de
criminalidade e a abordagem da Rota é um pouco mais rígida. A chegada mais
agressiva acaba colaborando para a segurança porque evita qualquer tipo de
reação. Eu sei que abusos acontecem, mas eu nunca vi. Agíamos dentro da lei.
Porque se você dá um passo para fora da tua moldura legal, não importa o que o
criminoso tenha feito, a gente acaba perdendo a razão. Tem que deixar a
Justiça, por mais falha que a gente possa pensar que seja, resolver.
Como era sua rotina no Timor?
O Timor não tinha nenhuma estrutura de Estado. Todas as
instituições tiveram que ser preenchidas por pessoal da ONU, depois foram sendo
treinados timorenses para assumir. No começo era como o policiamento de área
aqui, atendíamos qualquer tipo de ocorrência. A gente trabalhava em times de
mais ou menos 15 policiais. Havia 42 países envolvidos na missão. Por causa do
meu background e da minha atuação, depois de um mês e pouco fui convidado pra
um grupo tático que trabalhava como a Rota.
Era arriscado?
Não, não. Sempre tem um ou outro que vai gritar que a ONU não
é bem vinda, que primeiro foram invadidos por Portugal, depois pela Indonésia,
agora pela ONU. Então muita gente não gostava da gente, mas não era uma coisa
arriscada, comparando com o que eu estava acostumado aqui em São Paulo. Era
como atuar em uma favela enorme. Brigas de grupos enormes, e eles usavam
machete, lanças, quase sempre armas brancas.
Você trabalhou com o Sérgio Vieira de Mello [diplomata
brasileiro morto em um atentado no Iraque em agosto de 2003] no Timor?
O tempo todo que eu trabalhei no Timor ele estava lá como
enviado do escritório geral, era como um governador provisório do Timor. Mas
dentro da cadeia hierárquica da missão ele estava distante de mim, os contatos
que a gente teve foram breves.
Qual a função da ONU para você?
A ONU acaba atuando mais ou menos como a polícia, combatendo
os efeitos. Se na África tem miséria e pobreza, a ONU vai lá para levar comida.
Mas não quer dizer que você resolveu o problema da fome. Hoje a ONU está
especialmente enfraquecida…Há pouco tempo ela estava aquecida moralmente.
Estava no Iraque por uma década, procurando armas, fiscalizando. E, de repente,
o Conselho de Segurança não autoriza uma guerra que aconteceu de qualquer forma
e não há nada que se possa fazer a respeito. É claro que vai ficar essa mancha.
Existe uma hegemonia tão grande dos EUA mundialmente que ninguém tem cacife pra
impedir.
Você acha que alguma coisa poderia ter impedido a guerra no
Iraque?
Acho que só a população americana mesmo, se eles não tivessem
sido manipulados tão habilmente depois do 11 de Setembro. Era um governo que
estava sendo totalmente impopular, que estava falhando de todos os lados.
Voltando… como foi seu retorno do Timor Leste e sua ida para
o Iraque?
A missão na ONU como policial durou um ano. Quando venceu o
prazo eu já tinha a idéia de dar baixa definitiva na PM e tentar um emprego
definitivo com a ONU. Aos poucos fui me desligando da polícia. Mas eu tinha
descoberto que gostava era de trabalhar como policial no exterior. Foi nesse
período que um amigo meu da missão no Timor Leste mandou um e-mail avisando que
estava indo para o Iraque trabalhar em uma empresa de segurança. Perguntei se
tinha algum trabalho para mim por lá, mandei meu currículo e depois de duas
semanas estava embarcando.
E te avisaram dos riscos?
Ah, eu sabia. Estava acompanhando as notícias, mas quando
comecei a atuar a situação era bem diferente. Eram os meses depois do término
das principais hostilidades da guerra, um período de calmaria. Aí começaram a
surgir alguns atentados, mas ainda bem espaçados.
Como era seu cotidiano no Iraque?
Trabalhei como profissional de segurança e dava assessoria de
segurança para ONGs. Nosso dia a dia era dar essa assessoria, fazer resumos
para os clientes a respeito da situação de segurança e dar apoio para algumas
operações.
Você trabalhava mais do que no Timor?
Ah, sim. No operacional, atuava digamos umas seis a oito
horas por dia, mas você acaba o dia todo pronto para responder em caso de um
ataque ao complexo onde você está morando. Então é um trabalho de 24 horas por
dia e sete dias por semana.
Você se sentia estressado?
Não. Você se adapta ao nível de tensão. E com a experiência
você acaba aprendendo a responder a determinados estímulos. Um tiro em Bagdá,
por exemplo, é algo corriqueiro. Pessoas passando de carro e dando rajadas de
fuzil não é nada especial. Às vezes são pessoas comemorando alguma coisa.
Casamentos em Bagdá rendiam muito tiro. Lá todo mundo tem uma AK-47.
Dizem que o Saddam, quando viu que Bagdá seria mesmo invadida,
abriu os paióis para a população se servir de armas…
Pelas informações de pessoas ligadas aos militares iraquianos
não só eles abriram antes da invasão como eles tiraram simplesmente armas de
bases militares e puseram em paióis subterrâneos, esparramaram munições e
materiais explosivos pra serem usados posteriormente pela resistência.
Te incomoda ver que um atentado no Ocidente é uma grande
notícia e atentados em Bagdá, às vezes muito mais trágicos, não são?
É que acaba caindo na normalidade. Todo dia explode um carro
bomba, acaba diminuindo o interesse da imprensa. E de uns tempos pra cá, com a
deterioração da segurança, muitos jornalistas simplesmente saíram de lá. A
própria CNN deixou alguns representantes e eles ficavam dentro do hotel. Afetou
bastante a quantidade de informação que é gerada pra imprensa mundial.
Recentemente um relatório independente divulgou que, apenas
no pós-guerra, os Estados Unidos mataram dez vezes mais civis iraquianos do que
nos atentados terroristas. Você acha que os EUA também são terroristas?
Na verdade são, mas depende da classificação que você vai dar
pro terrorismo. Não sei se dá para chamar de Estado terrorista, mas com certeza
a política externa deles acaba encorajando reações terroristas. A atuação dos
EUA no Iraque com certeza causou um aumento de violência naquela região e eu
não acho que eles podem acreditar que tenha diminuído a ação terrorista ao
redor do mundo. Os próprios terroristas estão tentando provar isso pelo menos
anualmente; um atentado em Madri, um atentado em Londres.
Os insurgentes têm bom know-how para atentados?
Ah sim, Bagdá virou hoje um centro de estudos para
terroristas. É difícil que forças de segurança, sejam as forças privadas ou os
exércitos dos países, detectem e combatam tudo. Os ataques são baseados em
técnicas de guerrilha e de terrorismo. O pessoal ataca e some. É uma guerra
muito difícil de ser ganha. Eu acho que não tem como vencer isso. O que você
pode tentar é sobreviver.
Você acha que esse é o único tipo de guerra possível contra uma
hegemonia tão grande?
O único jeito de você combater uma força muito desigual, e
isso já foi demonstrado ao longo da história, é você não mostrar resistência
frontal. Eu não digo terrorismo em si, mas a guerrilha, esse tipo de ataque de
surpresa, talvez seja a única forma para combater uma situação desproporcional
como essa. Mas o terrorismo em si já é uma coisa diferente, que não ataca os
alvos legítimos.
Como assim?
O terrorista não ataca linhas de transmissão ou alvos
estratégicos. Ele ataca todo mundo, qualquer estrago que você fizer é vantagem
porque está querendo implantar a desordem e o medo. Fica fora da guerra
convencional, não sei nem se dá para chamar de guerra. Mas é claro que isso
fará com que toda a estrutura de combate, de informação, toda a estratégia de
guerra tenha de ser repensada. Porque o inimigo não existe. É como combater o
tráfico, onde não há um chefão como um poder central.
Você vê justificativa pro terrorismo?
Eu acho que eles tentam se motivar em justificativas
religiosas, políticas, mas eu não posso ver como legítimo moralmente atuar
contra alvos civis. Por mais que a gente não concorde com a invasão americana
ao Iraque, ou com a invasão dos territórios Palestinos por Israel acho que o
terrorismo não se justifica.
O terror também serve aos EUA?
Exatamente. Ele mantém o medo que conferiu toda essa
popularidade pro governo Bush. Enquanto o povo americano tiver medo os EUA
continuam apoiando uma ação forte.
Há quem diga que um dos grandes motivos dessa guerra era
justamente jogar bombas para depois reconstruir. Uma espécie de segunda
invasão. Você não fez parte desse jogo?
Com certeza a estrutura na qual atuei no Iraque fazia parte.
As ONGs que eu protegia não têm fins lucrativos, mas elas consomem dinheiro dos
EUA e, no final, empregam companhias que têm fins lucrativos, como as próprias
companhias de segurança, comunicação e construção. No final, querendo ou não,
todo mundo atua no Iraque agora e boa parte da população iraquiana está
trabalhando para a estrutura dos EUA.
E você não se sente mal com isso, sendo tão contra essa
política americana?
Nunca me senti mal. A ONU poderia ter dito “Bom, vocês
fizeram a guerra, nós falamos pra vocês não fazerem, então o problema é de
vocês”. Mas houve a guerra e aí a população precisaria de ajuda. E vieram as
ONGs, e as pessoas que trabalham para as organizações de ajuda humanitária que
precisam de segurança. Assim, atuei financiado pelos EUA, mas sem endossar a
política externa deles. Acho que estou fazendo o serviço da mesma forma que eu
fiz na ONU, no esforço pela reconstrução.
As pessoas te tratavam melhor por você ser brasileiro?
Para o insurgente, estrangeiro é estrangeiro. Não existe
cristão, muçulmano ou qualquer coisa. Mas o iraquiano gosta muito de
brasileiro. Aquela coisa de falar de música brasileira, de pedir discos de
pagode e de samba.
Para você, que foi da Rota o que é mais perigoso: Bagdá ou
Capão Redondo?
É difícil responder. Atuando no policiamento você também está
em evidência, da mesma forma que um estrangeiro dentro de Bagdá. Você é um alvo
em uma viatura num local que não conhece e com um inimigo que não usa uniforme.
Pode sair um tiro de um beco qualquer. Eu perdi um policial no meu pelotão
dessa forma. Mas atuei todos esses anos em São Paulo e não aconteceu nada grave
comigo e acabei atingido em Bagdá. Apesar disso, acho que não me sentia mais
inseguro lá do que eu me sentia aqui.
E você ainda me diz que você não gosta de risco?
[risos] Ainda posso dizer que não é uma sensação gostosa, a
recompensa não está na adrenalina.
Onde está?
Em vencer as barreiras e evoluir profissionalmente, em
concluir um trabalho, em fazer policiamento preventivo bem sucedido.
Você ganhava bem em Bagdá?
Sim. Mas não posso revelar valores por obrigações
contratuais. Não é aquele valor mítico que se propaga, que eu vi na TV. Falavam
em algo como 20 mil dólares por mês. Não era nada disso.
Não foi por dinheiro que você foi?
Com certeza não foi por dinheiro. O que eu pensei do começo
até o fim foi naquele espírito da missão. Nunca foi tão gostoso trabalhar como
no Timor. No Iraque era muito mais tenso e o tipo de serviço era mais pesado e
burocrático. Ficava separado da população.
Quando a bomba estourou você se arrependeu de ter ido para o
Iraque?
Não, não. Tive muitos momentos difíceis, principalmente no
hospital, e muitas noites sem dormir por causa de dor. É claro que eu pensava
em milhões de coisas, mas nunca “eu não devia estar lá”. No final é uma
loteria. Foi Deus que quis me tirar de lá. Vai ver que era a hora de eu passar
um tempo em casa.
Você é religioso?
Não freqüento igreja, mas eu acredito sim em Deus. Costumo
dizer que não duvido de nada mais.
Você reza?
Rezo.
Sozinho?
Sim. Gosto de ler sobre religiões, mas eu sigo o que eu
aprendi como cristão. No fim das contas, o que importa é aquilo que você sente,
como você se conecta a uma coisa maior.
E você lê bastante?
Sim, gosto muito de história e política externa.
E você tem algum livro que te marcou especialmente?
Eu gosto muito de O Poder do Mito, do Joseph Campbell. Tem
também o dicionário de mitologia dele. Heródoto eu achei fascinante. É o pai da
história. Sempre volto aos relatos dele sobre as guerras contra os persas.O que
você gosta de ouvir?
Gosto de MPB, gosto muito de ópera e de alguns compositores
franceses, como Francis Cabrel e Gilbert Becaud. Música andina também acho
legal.
Politicamente como se define?
Eu costumava votar mais pra esquerda. Atualmente eu me
considero um cético. Eu não vejo direita, esquerda. Só queria honestidade.
Você se considera um cara feliz?
Felicidade é um estado de espírito e isso oscila. Minha vida
não terminou para eu fazer um balanço, mas eu sinto que está indo bem. Eu me considero
realizado e satisfeito da forma que ela está se desenvolvendo.
Você se sente em paz, então?
Sim. Eu me sinto em paz.